Há quase um ano eu vinha tentando uma reserva no restaurante Au Pied de Cochon, um dos mais celebrados de Montréal, mas sempre alguma coisa dava errado na última hora. O que fazia a minha expectativa em relação ao local crescer no mesmo ritmo em que crescia a reputação do chef Martin Picard. Até que finalmente todas as estrelas se alinharam e conseguimos uma mesa para seis em janeiro, quando os três casais de amigos tinham algo para comemorar: o aniversário do Mohammed, marido da
Fabrícia, aniversário da Nadja, esposa do Chris, e meu aniversário de casamento com o Luiz.

Então fomos, em pleno janeiro congelante, para o lugar mais caloroso do hemisfério norte - sim, porque o Au Pied de Cochon é um lugar onde as pessoas se divertem, falam alto, bebem e conversam despreocupadamente até altas horas. Nada de clima romântico ou mesas com toalhas de linho branco. Nada também mais condizente com a persona do chef Martin Picard, conhecido por suas loucuras experimentais na cozinha, por seu amor pelo foie gras e carnes de caça, e por não ligar a mínima para o que diz o manual de como chefs premiados devem se comportar (ele se recusa a usar o avental branco, por exemplo).


Para quem nunca ouviu falar, o Au Pied de Cochon (que em francês significa "no pé do porco") é conhecido por oferecer um vasto menu contendo foie gras - dizem até que o restaurante é o maior consumidor do produto no mundo, o que irrita muitos ambientalistas. Mas aqui o foie gras não é servido do jeito que você está acostumado a ver nos restaurantes franceses, e sim incorporado a pratos populares como cachorro-quente, hamburguer e até a poutine, que é o prato típico
quebecois feito de batatas-fritas e queijo fresco cobertos com gravy.

A popular poutine, cuja combinação calórica promete aquecer do frio e curar qualquer ressaca, recebe uma dose generosa de foie gras. Essa mistura de requinte e ironia é a marca registrada do chef Martin Picard.
O menu é uma verdadeira celebração das carnes de caça típicas do Canadá, como pato, bisão, cervo e, claro, porco, todas as partes dele. O pé do porco que dá nome ao restaurante é servido recheado com foie gras. Os pratos são pesados, gordurosos e extravagantes, é verdade, mas o chef não pede desculpas nem faz concessões. Afinal, este não é um restaurante comum, mas sim um lugar onde se vai para, bem, chutar o pau da barraca. Mas isso não quer dizer que não haja requinte, por exemplo, na apresentação dos pratos ou na combinação inusitada de ingredientes.

A Fabrícia pediu um carpaccio de pato servido delicadamente num prato com azeite, cebolinhas e uma gema de ovo.

A costeleta de porco feliz (este é o nome do prato) vem com um molho de cebolas caramelizadas, bacon e outras delícias.

O Champvallon é uma caçarola de cervo, bisão e outras carnes cobertas com fatias finíssimas de batatas e servidas numa panela de barro.


Os churros e bolinhos de bachalhau (sobremesa e entrada, respectivamente) são servidos no melhor estilo botequim, em cones de papel com o logotipo do restaurante.
Um dos pratos mais divertidos é, sem dúvida, o
canard em conserve, ou pato na lata. Meio peito de pato, 100g de foie gras, repolho e outros ingredientes são enlatados e cozidos na lata.

Vinte minutos depois o garçom vem com um prato contendo uma torrada e purê de nabo.

Ele então abre a lata na sua frente e...

Despeja o precioso conteúdo sobre o purê e a torrada.

Pato na lata! Uma interpretação deliciosa, audaciosa e criativa da "comida enlatada".
Mas o melhor da noite ainda estava por vir. Quando estávamos no meio do jantar Martin Picard em pessoa aparece no restaurante e começa a ir de mesa em mesa cumprimentando as pessoas. Eu não esperava vê-lo por lá, sabendo que ele é muito ocupado e viaja constantemente, mas a Fá teve um pressentimento e foi preparada, levando consigo uma garrafa da cachaça especialíssima feita artesanalmente por seu pai.

Que melhor jeito para atrair um chef conhecido por ser bon-vivant? Em pouco tempo Martin estava na nossa mesa tomando cachaça e conversando animadamente. Quando ele soube que estávamos comemorando tantas coisas, mandou vir doses de rum e vodka e bebeu conosco.

Se não fossem as calorias e carboidratos ingeridos durante o jantar, acho que não teríamos conseguido voltar para casa!!

Eu não sou uma carnívora aventureira como Martin (não sei se comeria o pé do porco ou um dos pratos com miúdos, por exemplo), nem me sinto confortável comendo foie gras com frequência, mas não há como não admirar a paixão e o envolvimento que existem em seu restaurante. Este é um chef que respeita os animais que serve (sua última "mania" é caçar pessoalmente ou pelo menos supervisionar o mais próximo possível as carnes servidas no restaurante), que não acredita em meio-termo quando se trata de qualidade e que, sobretudo, ama a vida, coisa que se torna palpável em seu restaurante.
Crédito das fotos: Fabrícia Rocha e Luiz Teles.
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