sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O-oh

86%DRUNKARD

Enfim, (quase) casa

Ok, este relato de viagem já está se alongando demais - afinal, a vida continua e o inverno por estas bandas parece que será rigoroso comme toujours, requisitando a invenção de pratos bem quentes e com sustância. Antes de voltar pra casa, porém, tivemos um gostinho de casa em pleno Oriente.

Para quem é brasileiro ou português, estar em Macau é uma experiência um tanto desconcertante. O que dizer de uma ilha situada a menos de uma hora de ferry de Hong Kong, mas onde a língua oficial ainda é a de Camões, senão estranho. Onde me senti andando pelas ruas do centro histórico de Salvador como há mais de dois anos não faço. Onde a população é claramente mais mestiça do que em qualquer outra cidade chinesa. Estranho.

E onde comemos pastéis de Belém, frango assado, bacalhau Zé do Pipo e outras especialidades decididamente portuguesas em restaurantes onde o menu é em português e chinês (mistura que, até então, achava que era exclusividade do meu caderninho de notas). Isso para não falar nos cassinos - sim, os mega-cassinos, pois Macau está se transformando rapidamente numa espécie de Las Vegas do Oriente, com direito a toda sua breguice.

Colonização tem dessas coisas curiosas. Macau esteve sob o domínio português até 1999, ou seja, seu retorno à China é muito recente, e é por isso que a influência lusitana é tão forte, apesar de ninguém lá falar realmente o português - a não ser os portugueses que imigraram. E agora, com essa invasão dos cassinos americanos imitando outras cidades famosas do mundo (o Venetian é toda uma Itália assombrosamente fake), a confusão identitária está completa.

Pastel de Belém bilingue

A feijoada é diferente, leva até abóbora

Frango no churrasco

Bacalhau com purê de batatas

Arroz de tomate

O menu do "Santos"

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Fui à praia em Hong Kong


Pouca gente sabe, mas Hong Kong é formada não só pela ilha grande que dá nome à região, mas por diversas ilhotas menores e menos habitadas. O aeroporto, por exemplo, fica numa ilha chamada Lantau. E tem uma outra ilha chamada Lamma que é tão pequena, mas tão pequena, que nela não circulam carros. Para atravessar a pé de uma ponta a outra, leva-se menos de três horas (com pausa para admirar a paisagem).

Esta mesma ilha é conhecida por suas praias belíssimas e pelos restaurantes de frutos do mar onde o cliente escolhe o bicho que vai comer. É simplesmente absurdo molhar os pés numa praia tranquila a menos de vinte minutos de toda a correria de megalópole que rola em Hong Kong. Dá uma perspectiva boa de que este lugar vai muito além da idéia de que Hong Kong é um ponto meramente comercial e desprovido de identidade própria.

Mas voltando ao assunto, um programa típico de domingo é a boa e velha "farofada" na praia com direito a se esbaldar nos restaurantes à beira-mar depois. Nós fomos nos empolgando com aquilo tudo, pedimos umas cervejas, comemos e terminamos esquecendo que, epa, isso aqui ainda é Hong Kong! No fim das contas pagamos HK$ 180,00 (algo em torno de 20 dólares) pela unidade do hairy crab. Mas ainda assim eu digo que valeu cada centavo.

Herbário em Lamma island

Restaurante de frutos do mar

Esse aí tentou escapar

O siri de HK$ 180,00

Beringela no vapor com alho e manteiga

Em Hong Kong é outra história

Bem, Hong Kong era o destino principal (e final) dessa minha viagem à China, já que o cineasta que eu estudo é de lá e eu queria mesmo era sentir o clima deste lugar que há muito me intriga. As diferenças entre a China continental e a ex-colônia britânica são visíveis, mas também há muitas semelhanças e eu tive aquele sentimento de estar num lugar que mistura mesmo, naturalmente (e até harmoniosamente, quem diria), ocidente e oriente.

Uma das principais expressões dessa mistura está na cozinha. Em nenhum outro lugar da Ásia (tirando Tóquio, talvez) encontra-se tanta influência da culinária mundial misturada à comida local. E haja variedade: tem muito restaurante indiano e paquistanês (a população imigrante é grande), tailandês, italiano, japonês, mexicano, churrascaira brasileira e o escambau. E os restaurantes, embora muito mais caros do que na China, são dignos de colocar Hong Kong em qualquer atlas gourmet.

Em meio à tanta oferta, até que nós tentamos comer algum prato típico da região, mas depois de quase um mês o estômago estava mesmo era implorando por sabores mais, digamos, mediterrâneos. Os preços altíssimos também nos forçaram a fazer menos refeições em restaurantes e ceder ocasionalmente, mas cheios de culpa, às redes multinacionais de hambúrgueres gordurosos e aos noodles instantâneos.

Abaixo seguem registros fotográficos de alguns momentos gastronômicos de Hong Kong.

Restaurante indiano vegetariano em Kowloon

Lojinha orgânica no Soho, Hong Kong island

Frango com molho de tomate e mel no restaurante nepalês

Restaurante especializado em salmão em Kowloon

Legítima pizza italiana

domingo, 25 de novembro de 2007

No farmer's market chinês tem...

Muitos temperos

Melão salgado

Soja fresca

Tofu

Ovos de pato

Docinhos

Eu também botei a mão na massa

Ainda em Yangshuó, ficamos sabendo que um dos restaurantes do vilarejo oferecia aulas de culinária tradicional chinesa. Corremos para nos inscrever e fizemos a aula no mesmo dia - sim, era coisa pra turista ver, mas ainda assim foi bastante completa e divertida. Tudo começou com uma visita ao enorme farmer's market da região, onde a professora nos ensinou os nomes dos vegetais e de alguns produtos locais. E onde vi um pobre cachorrito assado que quase tirou todo o meu apetite, mas enfim...

Atrás da professora no farmer's market

De volta ao restaurante-escola, cada aluno (éramos seis) tinha sua estaçãozinha impecavelmente arrumada com fogão, wok, tábua de madeira e faca afiadíssima, temperos e bowls. Eu fiz um porco agridoce, Luiz fez um prato típico local de peixe frito na cerveja, e juntos fizemos dumplings vegetarianos (receitas seguem no final do post). Para mim, o ponto alto foi aprender a rechear e fechar os dumplings da maneira tradicional - o que nem é tão difícil assim, mas é um prato bastante versátil e que arranca "oohhs" e "ahhhs" dos convidados.

Minha estação

Fazendo dumplings

Até que não ficaram ruins

Concentração total

Os outros pratos também ficaram bons, mas eu fiquei meio assim de saber que todos os molhos eram engrossados com amido; que quase tudo era frito e que o molho agridoce era à base de ketchup... Sei não, se eu for reproduzir esses pratos em casa procurarei umas receitas mais alternativas. Quem sabe não as encontro no maravilhoso livro novo de Kylie Kwong (já encomendei o meu), que tem receitas, histórias e fotos deslumbrantes desse mesmo farmer's market de Yangshuó e de outros lugares que também visitamos pela China.

De qualquer maneira, seguem as receitas da professora:

Beer Fish

- 1 peixe inteiro de 1 kg (ela usou crab fish)
- 2 tomates cortados em cubos grandes
- 6 chilies em conserva cortados em cubos
- 1 pimentão vermelho e 2 verder cortados em cubos
- 10g de aipo cortado em palitinhos
- um pedaço pequeno de gengibre
- 3 cabeças de alho (ela usou também o talo da raiz do alho)
- 2 cebolinhas cortadinhas
- uma garrafa de cerveja

O peixe é cortado na metade com a espinha mantida. Aqueça a wok em fogo alto com 4 colheres de óleo, depois diminua para fogo médio e coloque o peixe para dourar de um lado. Coloque o alho, gengibre e chilies sobre o peixe e vire-o para dourar do outro lado. Coloque os tomates, aipo e pimentões ao redor do peixe na wok. Tempere o peixe com sal, um punhadinho de açúcar, oyster sauce e molho de soja. Adicione cerveja até cobrir o peixe, tampe a wok e deixe cozinhar por alguns minutos, ou até o molho reduzir. Coloque as cebolinhas e acerte a pimenta. Se precisar, engrosse o molho com um pouco de amido de milho. Transfira o peixe para um prato e sirva com o molho por cima.

Dumplings vegetarianos

A massa do dumpling pode ser comprada pronta ou caseira; trata-se de uma mistura simples de farinha de trigo e água misturados na proporção 2:1, deixando a massa descansar por duas horas antes de abrir bem fina e cortar em círculos (infelizmente a receita não diz o diâmetro).

Para o recheio, usamos cogumelos, cenoura e bastante cebolinha cortados bem fininhos até virarem uma pasta, mas pode-se usar praticamente qualquer vegetal. Essa massa é depois temperada com sal, pimenta, umas gotas de óleo de gergelim e uma colher de óleo vegetal para dar a liga.

Para fechar os dumplings, molhe as beiradas da massa com água fria, coloque uma colher de sobremesa do recheio no centro e feche - primeiro com um aperto no meio, depois dobrando e apertando as pontinhas em direção ao centro. Os dumplings podem ser fervidos (como raviolis) ou cozidos no vapor com um steamer. O tempo de cozimento é de aproximadamente 10 minutos no vapor. Servir com os molhos de sua preferência.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

A melhor refeição

Acredito que Luiz há de concordar comigo que uma das refeições mais inesquecíveis dessa viagem à China não foi em nenhum restaurante featured no nosso Lonely Planet; tampouco foi alguma comida carésima ou exótica - pelo contrário, foi a refeição mais simples que tivemos. Aliás, se não fosse pela mulher que se auto-intitulou nossa guia, e que nos levou por entre casebres e no meio do mato, jamais teríamos chegado até ali.

É que um dos passeios mais agradáveis por volta do vilarejo de Yangshuó é uma trilha de bicicleta que leva até uma ponte antiquíssima no meio do rio Yulong. Só que depois de horas pedalando por vilarejos rurais, plantações de arroz e de tudo o mais que se imaginar, até finalmente chegar no rio, já estávamos mortos de fome. Bendita foi a moça que apareceu do nada e nos levou ao "restaurante" onde as mesas ficavam em balsas literalmente sobre o rio.






Admirando a belíssima paisagem, a quilômetros dos turistas e do burburinho urbano, sentamos na beira do rio, tomamos a Tsintao (feita numa província que já foi colônia alemã, é a cerveja nacional da China, e muito boa por sinal) mais gelada, e comemos a comida mais fresca possível: o pescador pescava os peixes do meu lado, e não duvido nada se, no caminho, tivéssemos passado pela galinha que foi parar no nosso prato depois. As beringelas e batatas também estavam divinas e levemente cozidas e temperadas, como todo ingrediente fresco e de qualidade deveria ser.




E na volta, que de estômago cheio ninguém é de ferro, colocamos as bikes na jangada e voltamos só admirando a paisagem...

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O frango do mendigo

Hangzhou é uma pequena e tranquila cidade na província de Zhejiang, onde a maior atração é o belíssimo lago Xi (Oeste) e seus arredores. Dizem que a beleza do lago inspirou milhares de poetas e artistas a morarem na cidade - daí o seu clima pacato - e suas águas férteis inspiraram os cozinheiros, daí a culinária fresca e variada que faz a fama da região.


Lá fomos nós num restaurante chamado Louwailou, que tem nada menos que 150 anos de história. Agora imaginem pisar num lugar que alimentava gente ainda na época da dinastia Qing - senti-me honrada e intimidada ao mesmo tempo. Como muita coisa na China, aquele lugar me surpreendeu: era um restaurante maravilhoso, mas sem nenhum dos elementos de um restaurante "de luxo" nos padrões ocidentais. Se for parar para pensar, até que a decoração era bem simples, com mesas e cadeiras de madeira escura e painéis sóbrios dividindo um grande salão. Como se só a história contida ali já fosse suficiente para impressionar - e era.


O cardápio - mais uma lista telefônica de tão grande - era divinamente ilustrado e explicava a origem de cada prato típico da região, como um peixe no vinagre e um camarão cozido no chá verde. Para minha sorte, um dos pratos mais famosos não continha frutos do mar, mas sim frango. Trata-se do frango do mendigo (beggar's chicken), pois diz a lenda que um mendigo encontrou uma galinha na estrada, mas não sabia direito o que fazer com ela, então matou-a e enterrou-a na lama. Vendo que um de seus amigos estava faminto, ele decidiu cozinhar a galinha mas, sem os meios necessários, terminou enfiando-a com lama e tudo numa fogueira. Qual não foi sua surpresa ao ver que, uma vez quebrado o "envólucro" de barro, a galinha havia cozinhado em seus próprios sucos e estava macia e perfumada.


Desde então o prato virou uma especialidade servida até os dias de hoje, com algumas modificações. Não se envolve mais o frango em barro mas sim em folhas de lótus tiradas do lago Oeste. Também usa-se um vinho local para aumentar o sabor do prato. Confesso que nunca comi nada igual. O frango é tão tenro que come-se de chopsticks sem a menor dificuldade; seu sabor em nada assemelha-se aos temperos aos quais estava acostumada a associar com frango, mas tampouco tem os temperos tradicionais chineses. É qualquer coisa de diferente e inesquecível, como foi toda a experiência de comer no Louwailou.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Hora do chá

Cascata com o caractere de "chá" no museu do chá em Hangzhou

Cerimônia do chá em Beijing

Chá é uma obsessão na China. Sabe futebol no Brasil e vinho na França? É mais ou menos nesse nível de obsessividade. Bebe-se chá em toda e qualquer ocasião, em qualquer época do ano, de qualquer jeito. Qualquer chinês que se preze sabe tudo sobre a qualidade de cada folha, os usos e aplicações medicinais das mesmas, a temperatura correta da água, o modo de preparo e por aí vai.

O pior é que a febre é contagiante. E eu, que até pouco tempo atrás nem sequer bebia chá, me peguei entrando e saindo de lojas e comparando os cheiros e cores das ervas, namorando conjuntinhos de louça absolutamente adoráveis, discutindo se o chá pu-er (ruim de gosto mas bom para a saúde) é melhor que o chá jasmim (doce e cheiroso mas sem vantagens medicinais), visitando casas de chá no meio da tarde.

O ponto alto da minha "febre do chá" foi uma visita ao museu do chá em Hangzhou, que se mostrou um programão ao contrário do que parecia a princípio. No topo de uma montanha, entre plantações de chá verde que exalavam seu distinto cheiro a quilômetros de distância, aprendemos mais sobre as procedências e usos das diferentes ervas, a diferença entre o chá chinês e o chá inglês (o chá é considerado uma das maiores e mais fortes contribuições chinesas para o mundo ocidental, daí tanto orgulho), e - o que mais me interessou - os diferentes costumes sociais envolvidos no ritual, porque beber chá é, sobretudo, um ato social.

Não virei uma entendedora do assunto de uma hora para outra (também não faço questão de entrar em alguns purismos milimétricos que beiram a frescura), mas confesso que a imersão deixou, sim, suas discretas marcas. Já estou inclusive prevendo visitas regulares à Chinatown assim que o meu estoque de chá jasmim terminar...

Chá jasmim, o mais perfumado

Chá de rosas, perfumado e naturalmente doce

Chá de frutas, mistura de suco e chá

Plantação de chá "dragon well" em Hangzhou

Conjunto de chá engraçadinho em exposição em Hong Kong

Mais cenas da China

Restaurante hot-pot, cada mesa com seu botijão

Mega steamer

Temperos no bairro muçulmano de Xi'an

Carne ou paletó?

Enguias no mercadão de Yangshuo

Enguia frita em Beijing

Bolinho de peixe em Beijing

Milho preto em Hangzhou