sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Em defesa da comida


Senta que lá vem a história.

Terminei de ler “In Defense of Food”, novo livro de Michael Pollan (autor de O Dilema do Onívoro) e, como acontecera com seu livro anterior, fiquei meio perplexa com o que li. Enquanto no livro anterior Pollan seguiu a rota das cadeias alimentares modernas para mostrar o processo de industrialização da agricultura, neste livro ele contempla outros problemas associados ao que ele chama de “dieta ocidental” (que não é o mesmo que fast-food, chegarei lá), mais diretamente relacionados à nossa nutrição e saúde. Porque os norte-americanos são tão preocupados com comer comidas saudáveis e fazer dietas e estão, ao mesmo tempo, cada vez mais gordos e doentes? Pollan tenta provar que “orthorexia”, preocupação excessiva ou doentia com alimentação (pseudo)saudável, deveria ser um transtorno alimentar reconhecido pela ciência, e de quebra dá dicas para escapar dessa terrível situação. Daí a frase que saiu no New York Times e sintetiza a filosofia por trás do livro: “Coma comida. Não muito. Na maioria plantas” (Eat food. Not too much. Mostly plants).

Pollan é surpreendentemente severo com os nutricionistas que, em sua opinião, são culpados por essa tendência reducionista de olhar a comida não pelo que ela é, mas pelos nutrientes (vitaminas, gordura, antioxidantes etc.) que contém. Para quem estava esperando uma critica na linha “neo-hippie” ao consumismo americano, às grandes corporações que promovem a industrialização dos alimentos, e à publicidade que empurra estes produtos especialmente nas crianças, ele preferiu um caminho muito menos navegado e, por isso mesmo, ousado: questionar a hierarquia da ciência sobre coisas como cultura e tradição. Enquanto acho que ele é muito radical às vezes (questionando se nutricionismo é mesmo uma ciência, e duvidando dos valores dos nutricionistas), concordo absolutamente com a idéia de que aqueles que dizem “coma isto, não coma aquilo” nem sempre sabem o que estão dizendo. Uma hora devemos evitar gorduras e carne vermelha; na outra os vilões são os carboidratos, e nós ficamos cada vez mais perdidos lendo as embalagens dos milhares de novos produtos que chegam regularmente ao mercado. Resumindo: às vezes nossas mães, nossa cultura, sabem mais o que é melhor para a gente do que os cientistas.

Tudo isso leva Pollan à conclusão de que comida não deve ser tratada como “nutrição” ou “remédio”, porque isso nunca vai funcionar. Em primeiro lugar, porque comida é muito mais do que a soma de seus nutrientes (muitos dos quais os cientistas ainda nem conhecem), e comer é um ato social e cultural, agricultural e político. Em segundo lugar, porque quanto mais se processa industrialmente um alimento, mais se perde o controle sobre seus nutrientes, de maneira que um anti-oxidante benéfico encontrado naturalmente numa fruta pode não servir para nada quando isolado e colocado num iogurte ou numa pílula. É daí que vem, pelo menos para mim, a maior revelação do livro: os alimentos lights, com fibra, vitaminas e omega-3 adicionados são tão processados quanto uma refeição de fast-food - ou mais, já que para tirar a gordura natural do leite no iogurte light eles precisam substituir com alguma coisa (99% de chance dessa “alguma coisa” não ser nada boa...).

Aí a carapuça serviu. Eu nunca fui fã de fast-food e me considero relativamente imune à tal da “dieta ocidental”, mas tenho que admitir que já fui enfeitiçada por falsos anúncios de coisas low-fat, fat-free e similares, na falsa promessa de comer melhor e/ou perder peso. Já comprei minha cota de barras com fibras e suco de laranja e ovos com omega-3, sem pensar que, ao adicionar a fibra que supostamente tem o omega-3 na ração da galinha, que daí passa para o ovo que eu como, esse omega-3 pode perder sua função natural e pode até ser maléfico (aguardem os próximos relatórios científicos). O que eu não sabia, e Pollan deixa bem claro, é que qualquer alimento processado industrialmente é necessariamente inferior ao original que ele visa substituir, mesmo que seja para, supostamente, torna-lo mais saudável. Na maioria dos casos, os nutrientes adicionados mal compensam aqueles que são perdidos no processo de refinamento – a publicidade apenas foca numa coisa em detrimento da outra. Pode parecer contra-intuitivo, mas Pollan diz para manter distância dos alimentos com anúncios saudáveis (light, fat-free e similares), mesmo aqueles com o selo (corrupto, pois não passa de mais um golpe publicitário) da associação para controle das doenças cardíacas.

Os alimentos mais saudáveis para você são aqueles sem selo do Heart & Stroke Foundation, sem anúncios, provavelmente sem embalagens e códigos de barra. São aqueles que sua avó, ou bisavó, reconheceria como comida. São aqueles que nossos ancestrais vêm consumindo há milhares de anos sem sofrer as mesmas doenças que sofremos hoje (cultura e tradição 1 x 0 ciência). Aqueles cujas combinações e preparos, nossos ancestrais também sabiam, tiram o máximo proveito de seus nutrientes (cultura e tradição 2 x 0 ciência). Aqueles cuja lista de ingredientes não passa de seis nomes, e que não contém nomes desconhecidos ou impronunciáveis. Aqueles que estragarão em uma semana se você não consumi-los (alimentos que duram para sempre não podem ser bons). Melhor ainda se forem aqueles que você sabe quem plantou ou colheu, sem falar nos que você mesmo plantou e colheu. É mais ou menos isso que Pollan quer dizer com “coma comida, não muito, e na maioria plantas”.

3 comentários:

Fabrícia disse...

Querida Lud.....
Parabéns pelo posto.....li sem parar e não cosnigo parar de refeltir sobre tudo que escreveu. Pena que o livro é em inglês e meu domínio neste idioma é fraco....mesmo assim acho que vou me arriscar....vale a pena um sacrifício.
Grande bj.

Ludmila Carvalho disse...

Fabrícia, querida, infelizmente o livro não é dos mais fáceis de ler, porque apesar de ser tudo mastigadinho, é cheio de termos técnicos e científicos... Será que não já traduziram para o francês?

Beijos,
Lud

Bracchi disse...

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